Dia da Consciência Negra: reflexões sobre gênero e raça

Por: Elizabeth Christine White Rocha
O Dia da Consciência Negra, uma manifestação cultural e histórica dos negros e negras no Brasil, é comemorado no dia 20 de novembro, em homenagem ao dia da morte de Zumbi dos Palmares, líder quilombola, símbolo de resistência e luta, homem livre, nascido em um quilombo, que dedicou sua vida para lutar e defender seu povo da escravidão. Foi perseguido pelas autoridades portuguesas e assassinado por colonos portugueses durante uma batalha, em 1695.
Essa data, de extrema importância, que simboliza a luta contra o racismo e a desigualdade social, tem como propósito promover uma profunda reflexão sobre todo tipo de violência que as pessoas negras sofreram, e sofrem até hoje, em consequência do racismo, bem como resgatar e valorizar a história do povo negro e sua identidade, buscando fortalecer a compreensão histórica e cultural que essas pessoas têm de si mesmas.
O racismo estrutural é um problema gravíssimo presente na nossa sociedade e cada vez mais se faz necessária a implementação de ações para enfrentá-lo. Políticas e ações afirmativas, e os meios legais, são formas de lutar contra práticas racistas e da promoção da inclusão socioeconômica de populações historicamente privadas do acesso a oportunidades. Uma das ações afirmativas que surgiram por meio da luta dos movimentos negros no Brasil foi o Dia da Consciência Negra.
Historicamente, o Brasil mantém uma inaceitável postura tolerante diante do grave problema do racismo que atinge a sua população afrodescendente. Nesse contexto, o Dia da Consciência Negra, coloca em evidência problemas estruturais de nossa sociedade diretamente relacionados com o racismo. Em todo o país, são discutidas pautas antirracistas sobre a necessidade da implementação de políticas específicas que sejam capazes, não só de reparar, mas de reverter esse quadro de desigualdades entre pessoas brancas e negras, assim como são desenvolvidas atividades de conscientização como forma de lembrar a importância histórica, social e cultural dos povos africanos na construção da cultura do nosso país, fazendo com que essas pessoas conscientizem-se da importância de engajarem-se na luta pela equidade racial e de direitos.
No entanto, essa conscientização de como o racismo está presente na formação do povo brasileiro, não se faz apenas entre as pessoas negras, mas também entre as pessoas brancas. Dessa forma, as pessoas brancas tornam-se capazes de enxergar o problema do racismo e identificar os incontáveis privilégios que elas possuem enquanto brancas, o que pode levá-las mudar sua percepção e forma de agir diante de situações de injustiça e mudar também suas condutas para que atitudes racistas não sejam reproduzidas.
É impossível falar de racismo no Brasil sem falar nas consequências que ele traz para a sociedade, entre elas a violência, que tem as mulheres como seu principal alvo. A violência contra a mulher apresenta-se de diversas formas, que vai desde o estupro até a violência psicológica, e precisa ser combatida com urgência e veemência. As consequências desse tipo de violência são assustadoras para as vítimas, e pode levá-las à morte. A maior parte da violência contra as mulheres ocorre dentro de casa, e é praticada por familiares ou pessoas próximas à família e por companheiros ou ex-companheiros, porém menos da metade dessas mulheres buscam ajuda nos centros especializados.
A violência contra a mulher tem sua origem na enraizada cultura patriarcal e machista, presente em diversas sociedades, que trata homens e mulheres com desigualdade, que coloca os homens nos espaços de poder privilegiados e subjuga as mulheres por seu gênero. Desse modo, a desigualdade de gênero é a base de sustentação, legitimidade e perpetuação de todas as formas de violência e opressão contra as mulheres. Por muito tempo as sociedades não reconheceram a violência contra as mulheres como violação aos Direitos Humanos e, em muitos países, a submissão e a violência contra as mulheres era, e ainda é, legalizada.
A Mestra em Políticas Públicas pela UFPE e militante da Marcha Mundial das Mulheres, Gleisa Campigotto, afirma que em nossa sociedade, a combinação entre machismo e racismo resulta em maior violência contra as mulheres negras, mas é bom lembrar que a violência contra a mulher negra e a população negra em geral tem origem no passado escravista do Brasil, onde a violência contra essa população era naturalizada e uma forma de controle sobre a vida e o trabalho. As mulheres negras, também por serem mais pobres, têm seus direitos básicos afetados, como o direito à moradia, saúde, educação, trabalho e renda, entre outros. A falta de acesso a esses direitos contribui para que as mulheres negras permaneçam por mais tempo em uma relação violenta.
Infelizmente, apesar de ser cada vez mais combatida e cada vez menos aceita pela sociedade, a violência contra a mulher permanece com seus índices em alta.
Estudiosos do tema afirmam que as Igrejas têm um papel fundamental no combate e enfrentamento à violência contra as mulheres, considerando que elas têm a possibilidade de chegar a lugares onde nem sempre se identifica a presença do Estado ou a existência de um médico, de um advogado, ou de outra ajuda especializada para oferecerem assistência a essas mulheres.
Como pessoas seguidoras de Jesus, que não fez acepção de pessoas e denunciou a opressão de mulheres, a Igreja tem a missão profética de promover a igualdade racial e a equidade de gêneros para afirmação da dignidade humana, e de denunciar toda forma de violação de direitos contra as pessoas negras e contra as mulheres. Cabe à Igreja dar eco às vozes dessas minorias que, no seu dia a dia, experimentam o silenciamento, a submissão, a opressão e a exclusão. A Igreja também deve ser um lugar onde essas pessoas sintam-se seguras, um espaço de acolhimento e solidariedade.
Dados Biográficos
Elizabeth Christine White Rocha é Mulher Preta, Paraense, Bióloga, Servidora Pública Federal, militante da luta antirracista e membro da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil – Diocese da Amazônia – Brasil.